segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Assombração


Tantos anos depois, 
Um estranho no ônibus usa o seu perfume 
Automaticamente lembro do seu nome
E da maneira como você costumava me chamar 
Pra me abraçar no meio da multidão... 
Suas doces mentiras que eu adorava acreditar... 
Minha pele, sua pele, nossa pele 
Eu, você, seu perfume 
E como eu morri mil mortes depois.

Superei, segui em frente, juntei meus cacos 
Mas aqui estou eu 
Perdida nas memórias de nós dois 
Porque um estranho no ônibus está usando o seu perfume.

Anos atrás, e esse perfume ainda me faz mal. 
Tanto tempo, tanta coisa antes do que eu sou agora, superada, melhorada, mudada 
E esse perfume ainda me intoxica, mexe com minhas estruturas, me embrulha até o último pedaço do meu estômago.
Universo, o que você quer de mim, afinal?
Porque me tortura com minhas lembranças absurdas?
Essas lembranças que invadem minha pele, me deixam tonta, me jogam no chão...

Eu superei (acho que sim) 
Mas se colocar na minha frente não vou saber reagir... 
Não sei fingir indiferença a o que me afeta 
Não sei lidar, não sei colocar isso no patamar do que não interessa.
Então por que?
Porque essas coisas continuam vindo
Ressurgindo do nada anos depois 
Me procurando sem razão nenhuma 
Me atormentando? 
Não quero nada disso
Apenas pare os meus sentidos!

Você está tão longe agora 
E eu fugi há muito tempo atrás. 
Você nunca veio atrás 
E eu sofri calada. 
Vi você conseguir tudo o que queria 
Me vi ser apenas mais uma na sua lista
Vi você feliz com aquela menina que você sempre quis 
Você conseguiu a perfeição?

Não quero lembrar de nada disso 
Você já está morto e enterrado
Então porque 
Um perfume num estranho no ônibus 
Desperta tudo isso 
Acaba comigo 
Faz você levantar do túmulo
Tantos anos depois?

Entorpecente


Eu entendo perfeitamente.
Você precisa colocar tudo no zoom máximo 
Explicitar, abrir a mente 
Eu entendo totalmente.

Eu já vivi assim uma vez 
É o tipo de coisa que consome e você torce para não sobrar mais nada.  
É o tipo de coisa que vira a cabeça,
Torce a razão, 
Entorpece os sentidos. 
E eu precisava sim, ilustrar todas as partes 
Colocar tudo no zoom máximo 
Registrar tudo, criar a imagem perfeita pra lembrança que seria criada pela minha mente depois 
Eu passei por isso.
Mais de uma vez.
E até hoje não sei se é algo bom. 
Até hoje não sei se sou melhor sem isso
Ou pior.  
Naquela época não queria saber de mais nada 
E hoje não consigo entender.

O amor
O amor sentido por cada parte da epiderme 
O amor ocupando cada canto do seu cérebro 
O amor do jeito que ele é
Louco...
Exige que tudo esteja no zoom máximo 
E cada coisa - olhos, nariz, boca, ouvidos, mãos - seu corpo inteiro precisa 
Ser capaz de visualizar claramente todos esses zooms que provocam tontura 
Mas não causam desmaio.

Já me senti assim uma vez. 
Algumas. 
Até hoje não sei se sou melhor sem isso 
Até hoje não entendo a complexidade de tudo isso 
Não sei nada 
E não é de hoje.
Mas entendo a necessidade de explicitar para que cada coisa possa ser sentida.
Eu ainda sou um pouco assim. 
Eu ainda sou muito perdida. 
Você entende totalmente, tenho certeza.
A gente se entende.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Lembranças de calor

Aqueles dias que eu não aguentava nem minha cama e dormia no chão 
Porque nada me refrescava mas o piso frio aliviava.
Aquelas tardes em que eu passava tanto tempo deitada no chão, pensando em nada 
Quase dormindo, ouvindo o barulho dos galhos das árvores indo e vindo 
Apenas um vento quente, que me obrigava a ficar no chão.  
Nem mesmo carros passavam.  

Lembro dos meus três anos e as fotos de fralda e talco
Minha mãe me deixando com pescoço de fantasma pra não dar brotoeja 
Eu indo e vindo, correndo e gritando 
Suando sem parar.

Lembro das brigas dos meus pais e de como tudo era caótico 
Aquelas noites de delegacia, aqueles dias de tribunal.
Meu avô voltando da padaria com um monte de coxinhas 
Eu pulando o muro pra ir pra casa dele,
Queimando os pés descalços quando alcançava o chão.

As tardes depois da escola,
Caminhos mais longos pra casa, apenas pelas sombras das árvores.
Eu indo e vindo,
Eu correndo,
Eu deitada,
Eu reclamando,
Eu pensando,
Eu ansiando,
Pelo futuro,
Querendo estar em dias que não aqueles.

E depois aqui, querendo voltar 
Pras minhas tardes de bacia de abacaxi 
Sentada no chão frio 
Na casa dos meus avós
Pensando num futuro completamente diferente 
Do que eu tinha naquela época.

Hoje tenho vontade de voltar 
Pra aqueles dias de calor fervente 
Infinitamente menos complicados do que esses. 
Talvez eu tenha nascido para cantar o passado 
E ansiar pelo futuro 
Em todas as épocas de calor fervente
Nos registros da minha vida. 

sábado, 5 de dezembro de 2015

Adeus, tempo


Nessa primavera chuvosa 
Tenho tido mãos de falta de tempo. 
Sinto falta do meu esmalte vermelho, 
de sentir a maciez de antes. 
Sinto falta de ter tempo, 
Sinto falta de não sentir falta de ter tempo.

Nesse corrido momento da minha vida 
Em que meus dias são de muita chuva e ventania 
Pouco sono e muito texto 
Muita persistência e agonia 
Sinto falta de mim.
Já existe um certo tempo
Em que não tenho mais tempo de me olhar no espelho. 
Não tenho tempo de me maquiar para o meu prazer 
Não tenho tempo de usar uma folga pra ficar deitada sem fazer nada... 
Sobram-me poucos prazeres nesse tempo louco.

Mas esses poucos prazeres que me restam 
São momentos de muita gratidão
Nesses momentos consigo me sentir um pouco mais inteira novamente 
Consigo me sentir eu.
Ainda tenho o café 
Ainda tenho a música alta nos fones... Quando consigo ir sentada pra faculdade na janela do ônibus. 
Ainda tenho o vento da van quando estou indo pro trabalho. 
Tenho também conversas aleatórias com velhos senhores e senhoras 
Nos ônibus da vida.
Tenho minhas longas conversas por telefone com o meu pai, 
As fotos que minha mãe envia pra me dizer que tudo está bem,
Uma visita pros meus avós com histórias repetidas 
As lembranças da vida com os meus irmãos,
Os poucos amigos que faço toda questão de manter.
Tenho a sensação de ser útil, 
E a certeza de que hoje é sexta e amanhã poderei dormir até tarde. 
Será melhor, 
Mesmo que hoje não tenha sido melhor do que ontem.

E, com certeza, ainda tenho o grande prazer de conseguir escrever 
No meio desses meus tantos atrasos, correrias, desesperos, aflição, preocupação... 
Eu tenho a poesia pra me dar um momento de calma 
E pra me dar ânimo pra viver minha vida,
Que de vez em quando me parece tão fora de controle 
E tão distante do que eu já quis um dia.  
Eu tenho, tenho sim 
Tenho sorte da poesia não ter ido embora de mim
Nesse tempo em que tantas coisas e pessoas se despedem...
Ela continua fiel a mim.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Funeral


Alguma vez 
Um dia 
Sentiu-se sugado e drenado 
Por uma vida louca que talvez você nem devesse viver?

Alguma vez sentiu-se incapaz de ouvir o som do vento 
Nas folhas das árvores? 
Eu perdi a noção do tempo.
Quando vi, já não restava quase nada 
Da vida que eu conhecia antes.

E eu não estou pronta pra dizer adeus.
Talvez nunca esteja, afinal 
Talvez seja egoísta ao ponto 
De rir na cara da morte quando se trata de mim
Mas me encolher de medo quando se trata dos outros. 
Não quero perder nada 
Não quero perder ninguém 
Mas já está acontecendo 
Pouco a pouco minhas raízes mais antigas vão morrendo
E é só uma questão de tempo. 

E eu perdi tudo.
Quem eu era, quem eu tinha 
Perdi o que eu queria 
para o que se tornou.
E nada é perfeito, nunca foi 
E existem dias de risadas
Mas alguma vez, algum dia 
Sentiu-se sugado e drenado 
Por uma vida louca que talvez você nem devesse viver?

Eu perdi a noção do tempo, perdi tudo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vi seus olhos nos meus

Vi seus olhos nos meus
Devorando cada reflexo do que já não podia esconder da minha alma 
Eu vi você me carregar 
Vi o reflexo nos seus olhos 
Vi meus olhos e os seus presos numa mesma imagem 
E vi meu corpo derreter 
Com o seu...

Da maneira que conseguimos nos colorir 
Na maneira como fazíamos dos olhos um do outro, espelhos 
E todas as oscilações do que éramos 
Me surpreende que tenhamos conseguido nos encontrar em algum momento 
Pois querido, a cada segundo derretemos
O que será que me atrai então
Pro reflexo dos seus olhos?

Eu vi, vi seus olhos nos meus 
Expondo cada parte da minha alma 
Que por um momento você tomou como sua 
Derretemos, caímos, ascendemos
O que estávamos pensando afinal? 
Não estávamos
Estávamos apenas encarando 
Os reflexos um do outro 
Dentro do meu olho, dentro do teu olho 
Não éramos mais os mesmos 
Olhos de loucos...

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Céu laranja

Olho pro céu... 
O que vejo são possibilidades. 
Eu tenho uma grande janela 
E uma vista para duas enormes árvores 
tão antigas quanto o céu.

Nada é como eu imaginei 
Aquela visão de como seria minha vida aos 21 caiu por terra faz tempo. 
E mesmo para pessoas ansiosas como eu, essa é a graça da vida: 
Quando você pensa que sabe de tudo, as coisas acontecem da maneira que querem e te mostram 
Que você não é melhor do que nenhum outro ser humano.
Ninguém tem controle de nada
E é libertador tirar esse excesso de responsabilidade das costas. 

Mas eu sinto orgulho.
Sinto orgulho de mim e da pessoa que me tornei
Sinto orgulho do longo caminho que ainda tenho a percorrer.
Mas isso, esse momento aqui 
Café à tarde, sentindo a brisa que vem do mar
Ouvindo o som das folhas dessas árvores da minha vista...
Esse momento é a felicidade mais simples que algum dia terei 
E me sinto em paz.

Pouco a pouco minha casa começa a ter cada vez mais jeito de casa 
E eu finalmente começo a me sentir em uma.
A cada prateleira pendurada 
A cada móvel montado 
Consigo ver um pouco de mim em todas as coisas 
E é uma visão que nunca antes tive na vida.
É sublime. 

Descobri muitas coisas esse ano
Mas a mais importante de todas foi com certeza a garantia de mim mesma 
Não importa por quantas reviravoltas eu passe 
Sempre terei a mim.
E agora eu sei que qualquer lugar pode ser a minha casa 
Desde que eu coloque todo o meu coração nela
Essa é a felicidade incomparável que sempre habitará uma parte da minha mente.  

Aquela velha música


Eu estou dentro do ônibus, no primeiro assento
Janela escancarada, calor e meu cabelo voando por todas as direções.
Meus fones no último volume
Aquela música que adorávamos cantar
Onde você está?

Eu estou em casa, numa manhã de domingo
Acabei de acordar, e quando rolo na cama, um travesseiro vazio
A cama está vazia, a casa está vazia, a vida está vazia
Onde você está?

Eu estou dentro da minha caneca de café, meus pensamentos simplesmente estão imersos.
Aquela com a caveira da morte
Aquela mesma que usei pra tomar café tantas vezes com você.
E tudo isso é bastante irônico
Eu quis ir embora tantas vezes, e quando finalmente consegui...
Bem, sou incapaz de deixar de me perguntar
Onde você está?

Estou no meu banho gelado de verão, cabeça na água, prendendo a respiração
Quando solto, sinto seu cheiro na minha toalha
E isso é simplesmente resultado de um apego ridículo
E não sei como viver dessa maneira.
Onde você está?

Você foi embora para que eu pudesse dar continuidade à esse ridículo talento
Para escrever poesias tristes
O que sou eu além de uma sanguessuga?
Estou na vida, essa estrada estranha
Olhando o pôr do sol refletir no meu cabelo castanho
"As coisas vão melhorar" - era o que você sempre dizia
Mas você nunca disse que não estaria incluído nesse melhor
Você não podia ficar?
Eu poderia até tentar escrever
algo alegre
Onde você está?

Fevereiro de 2014

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

23:59



Tem sido um novembro chuvoso até agora 
Mais do que chuvas de um Verão antecipado
Eu diria que uma grande faxina.
E não é que eu não ame a chuva, pois eu amo
E às vezes precisamos mesmo lavar as coisas. 
Mas a verdade é que sua presença torna-me pensativa
E vê-la caindo pelo lado de dentro da janela fechada 
Causa-me uma terrível sensação de melancolia.

Talvez o fato de não poder abrir a janela para ouvir seu som com clareza, piore as coisas ainda mais. 
Quando estou sozinha em casa, às vezes, mesmo que por alguns momentos 
Preciso desesperadamente ligar uma música 
Pois o silêncio do ambiente dá margem exagerada para meus escandalosos pensamentos. 
Talvez eu só precise reaprender a conviver comigo mesma 
E com todas essas partes escandalosas de mim 
É preciso acostumar mais uma vez com a dor, pois ela é só minha 
E ninguém mais pode carregá-la.

Tem sido um novembro chuvoso até agora 
E entenda bem: Não é que eu nunca seja feliz ou alegre, pois eu sou. 
Tenho coisas realmente muito boas acontecendo na minha vida agora, e sou grata. 
Mas a verdade é que meus momentos de melancolia são tão pesados e sugam tanto de mim 
Que muitas vezes sou capaz apenas de escrever sobre eles e não posso evitar.
Essa é infelizmente uma parte grande da minha vida 
Uma perturbação antiga da minha alma 
Um grave defeito herdado e desenvolvido através do tempo.
O meu problema foi ter envelhecido muito cedo
Desde muito mais nova que não faço outra coisa a não ser pensar 
E isso me consome...
Assim como a melancolia que a chuva me trás nesse domingo vazio.

Às vezes tenho dias como esse de olhar a chuva pela janela 
E não querer usar nem mesmo um dos guarda - chuvas que minha avó me deu, pra olhar de perto.
É uma pena que sou apenas capaz de olhar a chuva de longe 
Mas a mim olho perto demais.

Sim, um novembro chuvoso até agora.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Sobre a ansiedade de não ser mais ansiosa no futuro


Um dia, na minha hora final 
Quero olhar pra trás e sentir que tudo fez sentido 
Um dia, quero entender quem eu fui por completo e ter descoberto afinal, meu papel nessa vida.
Antes do meu dia final,
Espero descobrir se fui importante 
Ou se as pessoas lembrarão de mim apenas da maneira que suas doces idealizações permitirem, 
A sete palmos abaixo da realidade.

Um dia, gostaria de saber se alguém realmente me amou como sou, 
Se alguém me aceitou dessa maneira bilateral que minha mente opera: 
Com todas as minhas histerias e perdas de tempo 
Além de minhas mãos pesadamente carinhosas, meu corpo passional
E minhas crises de querer ficar só... 
Um dia.

Um dia, na minha hora final 
Quero ter orgulho de quem fui na hora inicial 
E que todas as minhas perturbações de espírito tenham enfim ficado pra uma vida bem distante. 
Quantas vidas somos capazes de viver dentro de apenas uma? 
Todos permanecem os mesmos da hora inicial até a final?
Se for assim, 
Não haverá ninguém pra amar essa maneira bilateral que minha mente opera
Pois há uma parte de mim que não faz o menor sentido 
E eu já não tento mais entender.
Pouco a pouco, as coisas revelam-se 
Pouco a pouco, vejo que no passado tinha muito mais certezas do que tenho agora.
E elas diminuem a cada dia...

Talvez a grande descoberta da hora final 
seja o não tentar.
Não tentar gastar litros de energia no que não é possível fazer sentido;
Não se permitir ter medo da loucura 
E aceitar de uma vez que a loucura existe em todos nós.
Estou em constante movimento 
E se todos estão sempre parados 
Como serei capaz de encontrar alguém?

Um dia, na minha hora final
Terei todas essas respostas 
Ou simplesmente não precisarei mais de resposta alguma.
Um dia...

terça-feira, 27 de outubro de 2015

DDA





Ontem vi uma senhora muito idosa no portão de casa olhando o movimento da rua.
Suas rugas profundas do rosto emolduravam lábios de uma boca sem dentes que sorria e evidenciavam o brilho de um pequeno brinco em uma de suas orelhas caídas.
Seus braços tinham rugas igualmente profundas, que corriam numa direção reta, mais parecidas com a correnteza de um rio.
Mas foram suas mãos que me chamaram profunda atenção.
O tempo não conseguiu modificá-las, as rugas não conseguiram chegar.
Mãos de mulher vaidosa, ela tinha: com dedos elegantes e longas unhas pintadas de vermelho.
Três anéis delicados e nenhuma aliança.

Se eu tivesse olhado apenas para seu rosto e seu sorriso banguela, diria que se tratava de uma velha senhora comum, provavelmente viúva e com muitos netos.
Mas aquelas mãos me fizeram pensar que talvez o companheiro, com quem nunca chegara a se casar, estivesse vivo, ou até que não havia um.
Aquelas mãos me fizeram pensar que talvez não tivesse tantos netos assim e que dedicava grande parte de seu tempo às grandes rosas que enfeitavam seu jardim e à cuidar de suas lindas mãos.
Não sei quem era aquela mulher, mas ela definitivamente tinha história.
Cheguei a conclusão de que não estava simplesmente olhando a rua e sim esperando alguém chegar.
Todos têm história, isso é um fato.
Muitos acham-se tão interessantes e acreditam firmemente que suas histórias merecem ser contadas.
Não aquela senhora.
Aquela senhora deixava que os outros imaginassem histórias pra ela e assim tornava-se personagem em todos os tipos de narrativas.
Uma híbrida.
Uma híbrida evoluída o suficiente para não se importar com as histórias que os outros inventavam sobre ela.
Ou seria para ela?
Nunca irei saber.

Enquanto pensava sobre isso tudo, o ônibus arrancava no sinal verde.
Talvez ela tenha aberto o portão pra alguém entrar logo depois, talvez tenha simplesmente saído para procurar.
Nunca irei saber.
E talvez durante esse tempo em que imaginei mil histórias para aquela intrigante mulher, outra pessoa também imaginou algumas pra mim.
Impressões. 
Julgamos por achar que nossa visão de algo ou alguém condiz com a realidade. 
Nem sempre.
Mas pensar disso tudo não deixa de ser corriqueiro.
A verdade é que nunca sabemos tudo sobre ninguém.

Nem mesmo as histórias por trás de profundas rugas.
Nunca iremos saber. 



sábado, 24 de outubro de 2015

Vidro

O que eu sou hoje em dia?
Vidro.
Sou um vidro vagabundo que já caiu algumas vezes mas não quebrou
Tenho tantas rachaduras que nem sei como ainda não quebrei
Sou apenas vidro
Um copo de requeijão
Exposta numa prateleira a tudo e qualquer coisa
No meio de muita confusão e de algumas coisas boas
Talvez eu esteja louca.
Fase?
Não.
Não acho que algum dia tenha me sentido diferente, mas é que agora é bem mais pesado
Ser adulta é pior sacanagem que pode acontecer com alguém
E infelizmente aconteceu comigo...
Cedo demais.
Mas eu sou a culpada.
Sempre fui precoce, querendo sempre o que não tinha e quando finalmente alcançava, lamentava pelo que já tinha ido
Sou culpada por ser quem sou,
Exatamente como hoje em dia...
A verdade é que eu sempre fui de vidro
Dando a cara a tapa, me metendo em buracos mal iluminados e andando por caminhos desconhecidos
Com tudo o que já me aconteceu, não quebrei até agora
Me pergunto se eu finalmente quebrar um dia, o que causará isso.
Tenho medo,
Tenho insônia,
Tenho pesadelos.
Sou um vidro de requeijão num mercado lotado
Já fui revirada tantas vezes que meu rótulo está se tornando apagado
Não é possível enxergar meu prazo de validade
Não é possível negociar meu preço
Pois eu já estou no fundo da prateleira.
O que eu sou além disso?
Um vidro, apenas um vidro.
Ou talvez eu seja tão mais que isso que vivo numa atormentada mente
Escondida num corpo
Que já não suporta mais viver em contradição.
Quem eu sou então?
Rachaduras.
Marcas.
Superfície que não coincide com o conteúdo.

Vidro.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Zona morta gravitacional

A vida está aqui 
Me comendo viva 
Ou talvez esse seja o processo de cozimento 
Ainda.
Mesmo assim, sinto meus pés ferverem 
Pés bem firmes nesse chão de pedra quente 
Nesse calor de 50° 
Nessa vida irônica que me come viva todos os dias.

Essas coisas que acontecem não podem ser coincidência 
Tudo me leva ao afastamento 
Daquilo que eu só faço por obrigação 
Talvez meus pés não estejam completamente no chão.

Minha cabeça está pesada 
Meu corpo... Vazio 
Eu não ganho comida, eu sou a comida 
Tem dias que a vida suaviza e me oferece água 
Apenas pra eu continuar viva nesse processo de cozimento 
Apenas pra ela continuar me comendo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Long story, short words




I was hurt once 
So deeply that I can't even tell where it ends 
I am in a dark place since then
But I still got soul

I still got the most intense soul that I ever heard about 
You live in my soul since that terrible event 
Where you broke me in a million pieces 
I never became a star with all those pieces together 
But you are still the brightest star that ever lived in me 
You are here for so long
That I can't remember how it feels being alone.

You are the most beautiful crack in my heart 
My lost star 
And without your sparkle I would be in a complete darkness 
In this dark place.

Duas



Não sou barulhenta pra falar dos meus mais pesados sentimentos
Falo entrelinhas
Deixo pairar no ar sutilmente
Solto uma parte
Sempre falta liberar alguma
Deixo lá e saio correndo
Deixo lá e enquanto ninguém percebe
Vou vivendo.

Convivo com os meus mais pesados sentimentos
Sendo uma garota que não aparenta ter nenhum deles
Nada parecida com os meus mais profundos sentimentos de agonia...
Também sou essa que você vê (a do lado de fora)
Mas a do lado de dentro é tão espaçosa que às vezes me pego pensando como é capaz de existir apenas no lado de dentro.
Sou triste, pensativa, sinto saudade de coisas que nunca vivi, e sofro principalmente pelas que já vivi
Mas tento sempre manter o otimismo, por mais difícil que seja
E ajudar as pessoas sem querer nada em troca.
Essa é quem você conhece
Mas acho que nunca estará preparado para ver o outro lado.

Desculpe, meu amigo
Se um dia você encontrar qualquer resquício da garota de dentro.
Nunca foi minha intenção destruir suas ilusões 
Nunca foi minha intenção destruir sua feliz ignorância.
Me desculpe, meu amigo, se algum dia chegar a ler isso.
A garota de dentro acaba comigo
E ela vai acabar com você também.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Farol


Eu ouço a chuva lá fora 
E a neblina que é vista da minha janela 
Deixa apenas as luzes do farol lá no mar 
Existirem...
É madrugada
E aqui não existe nada.


O café esfriou há anos 
A vida que eu tinha se perdeu nas páginas 
Dos cadernos que eu não leio mais.
O tempo acabou,
agora eu bebo vinho por falta de amor.
Ouço o barulho da chuva nas telhas 
Enxergo o farol ao longe 
Como se essa luz pulsasse nas minhas veias.


Onde estarei daqui há alguns anos 
Numa quarta a noite, depois do trabalho?
Será que todos os meus sonhos estarão publicados 
Ou eu serei apenas alguém sentada no telhado 
Olhando o farol ser engolido pela neblina 
Enquanto a chuva cai 
Pingando o peso do tempo na minha agonia?


Talvez eu esteja ficando louca 
Mas o farol está sumindo 
Assim como o tempo que eu sempre achei que fosse infinito 
Ah, querido 
Se eu pudesse te explicar tudo o que se passa aqui dentro 
Você iria lá fora comigo 
De mãos dadas estaríamos na chuva 
Para que eu pudesse lavar toda a minha agonia 
Para que eu pudesse ser sol
E não apenas ventania na madrugada...


O tempo acabou 
Deixou apenas minha dor 
Hoje bebo vinho por falta de amor...
Talvez eu esteja ficando louca 
Mas o farol está sumindo 
Pouco a pouco o tempo se vai
Sumindo comigo...

                              
                                   Escrito em 16 de junho de 2015.

domingo, 4 de outubro de 2015

Eu sei



Eu sei.
O que você quer é ar.
O ar que eu respiro,
O ar que eu suspiro,
quando digo o seu nome. 
Você quer que eu grite a plenos pulmões 
Que você tem a minha alma
E sugar todo esse ar que sai desesperado do meu corpo, enviado por meu atormentado coração.
Você não quer a minha calma,
Você quer a minha respiração acelerada,
Desesperada pra me manter viva. 
Você quer todo o meu ar 
Porque quer ser a minha vida.

O que eu quero é ainda pior
Mais desesperado, mais doente, mais inconsciente e consciente.
Eu quero que você tenha todo o meu ar
Quero que você guarde a minha alma como se fosse seu bem mais precioso 
Quero que você sinta a minha respiração acelerada enquanto gritamos juntos 
E meu corpo está hipnotizado por você.
Nada pior do que simpatia pelo sequestrador 
E eu aprendi a amar você.

Agora vivo como se fosse morrer 
e gosto.
Jamais serei novamente um desses desastrosos seres humanos que pensam que viverão pra sempre, 
pois é dessa forma que não vivem nada.
Quero ter quase mortes todos os dias
Quero que você possua todo o meu ar 
Quero que você tenha a minha vida 
E eu quero a sua também.
Se nós dois queremos então, o que nos resta, meu amor
Senão amar? 
Pois nós dois somos refém e sequestrador 
Um do outro. 
Eu sei.

.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Cidades




Eu tinha uma rachadura em mim.
Uma rachadura provocada pela ordem maçante dos dias e sua correria comum.
Eu tinha uma rachadura por tudo o que eu poderia estar fazendo na minha vida, mas encontrava-me num estado de onda que me levava sempre na direção que nada tinha a ver comigo. 
Por isso e tantas outras coisas, eu tinha uma rachadura.
Achava que a dor seria a pior coisa.
A dor da negligência, a dor do tempo perdido, a dor das chances não aproveitadas, a dor de abrir mão da única coisa que eu sempre quis na vida: Ser eu. 
Achava que seria a pior coisa, mas no fim, a aceitação foi pior.
Algo que não poderia mudar: Minha mente e meu corpo já tinham aceitado.
E enxergar essa aceitação foi sim a pior coisa.
Eu havia me perdido pra sempre.
No momento em que percebi isso, minha alma foi invadida por milhões de rachaduras que estavam apenas adormecidas, esperando que eu enxergasse o óbvio.
E essa sim foi uma sensação dolorida.
Sentir a ficha caindo, um milhão de vezes, num milhão de formas diferentes, poderia me matar ali mesmo, mas dura como sou, a última rachadura que faltava rachar para me encerrar completamente, não rachou.
Pois eu sou insuportavelmente forte.
Sempre coloco cimento nas rachaduras e continuo andando.
E talvez esse seja o problema: 
Se deixasse-me quebrar por inteira para assim ser construída de novo
Talvez minha fortaleza não fosse mais assim tão insuportável.
E comecei a pensar sobre isso.
E cada vez doía mais.
Me sentia uma criança tentando montar um quebra cabeças de adulto.
A auto anulação era muito pior do que ser exatamente o que eu queria ser e cair depois.
Eu simplesmente não conseguia juntar nem as duas primeiras peças.
E como uma criança frustrada, jogava todas as peças longe, esperando que sumissem, ou que se resolvessem sozinhas.
Mas nada acontecia, pois estava num estado de pirraça.
Nunca seria capaz de montar esse quebra cabeças de nada, se tinha todas as emoções em mim.
Minhas mãos (que nada tocavam)
Olhos (cegos)
Lábios (fechados)
Nariz (entupido) 
Ouvidos (surdos)
Pés (que me levam pra lugar nenhum)
Pernas e braços (que a ninguém agarravam ou abraçavam)  
Minha cabeça (que mal recordava ao redor)
E meu coração, que já não tinha mais espaço pra nenhuma das novas rachaduras que tentavam nascer repentinamente 
Inflado...
Já não tinha mais espaço pra nada.
Na manhã seguinte da percepção da auto anulação continuei com dor.
Acompanhada de outras coisas, essa dor me atormentava e nunca me deixava em paz.
Levantei da cama, fui comprar um calmante, fui até a polícia pedir ajuda pra desligar a bomba relógio no meu peito que ecoava pela minha cabeça
Mas ninguém foi capaz de resolver.
Cheguei em casa com a bomba ainda ativada e pensei em deitar na minha cama pra esperar a grande explosão, onde eu finalmente me tornaria o nada.
Mas sou feita de todas as emoções possíveis, portanto, não fui capaz de fazer nada disso. 
E foi nesse momento que percebi que nunca havia deixado de ser quem era.
Que essa aceitação da auto anulação era apenas mais um efeito das estranhas rachaduras que apareciam em mim, mas que nunca desmoronavam nada.
Era a dor por parcela que me atormentava, não a ideia de uma explosão geral.
E então finalmente explodi, ali, em mil rachaduras, estrelas, cacos de vidro e o que quer que tivesse sobrado de mim.
Mas havia sobrado tudo.
Eu ainda estava lá.
A bomba finalmente explodiu para que eu me reconstruísse e me tornasse inteira de novo.

domingo, 13 de setembro de 2015

Conto de invernico



Hoje eu vi um drogado. 
Ele me pediu dinheiro enquanto eu esperava pelo ônibus 

encolhida no meu guarda-chuva com meus sapatos encharcados...
Numa fria noite de sábado. 

E ele não tinha guarda-chuva. 
Tinha apenas a ilusão de que cinco reais o dariam a felicidade que um milhão não pode dar.
Felicidade momentânea.
Eu definitivamente não sei viver assim.


Ontem andei pelas ruas de paralelepípedo molhadas 
Com minhas botas já meio furadas 
Fazendo barulho no deserto da madrugada 
Andei encharcada 
Andei atordoada 
Assim como aquele drogado que me pediu dinheiro hoje
E que nem se importava em estar na chuva... 
Ontem eu também estava encharcada.

O meu caso era ainda pior 
Eu não tinha uma nota de cinco reais pra me iludir 
Não tinha um universo paralelo onde me perder 
Não tinha uma realidade da qual pudesse fugir.
Tinha apenas ruas de paralelepípedo encharcadas 
Botas furadas e pensamentos desgastados 
Tinha isso e apenas isso... 
Cabeça cheia de tantos exageros
E coração sobrecarregado de tantos sonhos.
Tinha isso e apenas isso.
Nenhuma felicidade momentânea. 

domingo, 6 de setembro de 2015

Aqui está



A poesia vive dentro de mim quando eu olho nos olhos dele e gargalho da risada dela. E como cada momento como esse é único na minha vida e eu sei que este tempo nunca mais existirá igual. Sinto-me melancólica por isso, sinto saudade de coisas que ainda nem terminei de viver. E por causa disso, a poesia não está morta.A poesia não está morta - ela vive dentro de mim. Quando eu acordo e enxergo dois mundos diferentes, com características vívidas e detalhadas - ela vive dentro de mim.
A ansiedade que habita em mim é sempre imprevisível. Hora transforma-se em gritos - e há momentos em que não tenho voz suficiente para gritar toda gritaria que existe em mim - hora transforma-se em poesia, pois tenho consideração extrema por ela, por essa mulher tão fascinante que juntando tantas palavras diferentes no mesmo formato torna-se a salvação de minha pobre garganta que já não aguenta mais gritar. Não posso deixar a poesia morrer.
A poesia não está morta, e sendo uma mulher como é, torna-se um pesadelo de conflitos dentro de mim - não posso viver sem ela e quero me livrar dela.
E mesmo meus pés gelados nesse final de inverno sabem que ela nunca estará morta: É só questão de saber olhar o mundo com olhos que só ela pode entender. A poesia não está morta.
As lembranças do Monza do meu pai cheirando a cigarro e Halls, tocando blues no último volume e um aperto estranho no coração, de uma época mais estranha ainda, só existem porque eu sempre fiz questão de cuidar muito bem da poesia que existe dentro de mim.
E nesses domingos em que por um acaso cruel chego mais cedo no trabalho e desço da realidade para tomar um café com o meu cara, a poesia existe. Existe no olhar que o homem da outra mesa direciona a mim, existe na risada de um bebê, existe no relógio que roda rápido, existe na coleção de louças antigas da cafeteria, existe na minha mochila rasgada e no cabelo do meu cara precisando cortar, e no e na minha careta, numa tentativa de fazê-lo rir. Existe, existe, existe.
A saudade que me trás uma foto antiga de quando meu irmão era bebê e eu passava todo tempo que era capaz de passar com ele - 15 horas do meu dia - me dá uma surra, quase caio em lágrimas nesse instante e o que me segura é a poesia, que não está morta e que é uma doce agonia na minha vida.
Quando estou na minha cama e tenho esses sonhos que não parecem ser meus e me vejo numa Lua de duas cabeças, alta como uma bananeira, nadando numa piscina de café, eu posso afirmar que isso tudo é mais do que suficientemente poético para a poesia existir, principalmente quando sonho com lábios no escuro - a poesia não está morta.
E eu sei que mesmo quando já não estiver mais aqui e não restar nada além do meu sangue transferido para contar história, mesmo assim, eu sei que a poesia nunca estará morta. 
A poesia não está morta.