terça-feira, 27 de outubro de 2015

DDA





Ontem vi uma senhora muito idosa no portão de casa olhando o movimento da rua.
Suas rugas profundas do rosto emolduravam lábios de uma boca sem dentes que sorria e evidenciavam o brilho de um pequeno brinco em uma de suas orelhas caídas.
Seus braços tinham rugas igualmente profundas, que corriam numa direção reta, mais parecidas com a correnteza de um rio.
Mas foram suas mãos que me chamaram profunda atenção.
O tempo não conseguiu modificá-las, as rugas não conseguiram chegar.
Mãos de mulher vaidosa, ela tinha: com dedos elegantes e longas unhas pintadas de vermelho.
Três anéis delicados e nenhuma aliança.

Se eu tivesse olhado apenas para seu rosto e seu sorriso banguela, diria que se tratava de uma velha senhora comum, provavelmente viúva e com muitos netos.
Mas aquelas mãos me fizeram pensar que talvez o companheiro, com quem nunca chegara a se casar, estivesse vivo, ou até que não havia um.
Aquelas mãos me fizeram pensar que talvez não tivesse tantos netos assim e que dedicava grande parte de seu tempo às grandes rosas que enfeitavam seu jardim e à cuidar de suas lindas mãos.
Não sei quem era aquela mulher, mas ela definitivamente tinha história.
Cheguei a conclusão de que não estava simplesmente olhando a rua e sim esperando alguém chegar.
Todos têm história, isso é um fato.
Muitos acham-se tão interessantes e acreditam firmemente que suas histórias merecem ser contadas.
Não aquela senhora.
Aquela senhora deixava que os outros imaginassem histórias pra ela e assim tornava-se personagem em todos os tipos de narrativas.
Uma híbrida.
Uma híbrida evoluída o suficiente para não se importar com as histórias que os outros inventavam sobre ela.
Ou seria para ela?
Nunca irei saber.

Enquanto pensava sobre isso tudo, o ônibus arrancava no sinal verde.
Talvez ela tenha aberto o portão pra alguém entrar logo depois, talvez tenha simplesmente saído para procurar.
Nunca irei saber.
E talvez durante esse tempo em que imaginei mil histórias para aquela intrigante mulher, outra pessoa também imaginou algumas pra mim.
Impressões. 
Julgamos por achar que nossa visão de algo ou alguém condiz com a realidade. 
Nem sempre.
Mas pensar disso tudo não deixa de ser corriqueiro.
A verdade é que nunca sabemos tudo sobre ninguém.

Nem mesmo as histórias por trás de profundas rugas.
Nunca iremos saber. 



sábado, 24 de outubro de 2015

Vidro

O que eu sou hoje em dia?
Vidro.
Sou um vidro vagabundo que já caiu algumas vezes mas não quebrou
Tenho tantas rachaduras que nem sei como ainda não quebrei
Sou apenas vidro
Um copo de requeijão
Exposta numa prateleira a tudo e qualquer coisa
No meio de muita confusão e de algumas coisas boas
Talvez eu esteja louca.
Fase?
Não.
Não acho que algum dia tenha me sentido diferente, mas é que agora é bem mais pesado
Ser adulta é pior sacanagem que pode acontecer com alguém
E infelizmente aconteceu comigo...
Cedo demais.
Mas eu sou a culpada.
Sempre fui precoce, querendo sempre o que não tinha e quando finalmente alcançava, lamentava pelo que já tinha ido
Sou culpada por ser quem sou,
Exatamente como hoje em dia...
A verdade é que eu sempre fui de vidro
Dando a cara a tapa, me metendo em buracos mal iluminados e andando por caminhos desconhecidos
Com tudo o que já me aconteceu, não quebrei até agora
Me pergunto se eu finalmente quebrar um dia, o que causará isso.
Tenho medo,
Tenho insônia,
Tenho pesadelos.
Sou um vidro de requeijão num mercado lotado
Já fui revirada tantas vezes que meu rótulo está se tornando apagado
Não é possível enxergar meu prazo de validade
Não é possível negociar meu preço
Pois eu já estou no fundo da prateleira.
O que eu sou além disso?
Um vidro, apenas um vidro.
Ou talvez eu seja tão mais que isso que vivo numa atormentada mente
Escondida num corpo
Que já não suporta mais viver em contradição.
Quem eu sou então?
Rachaduras.
Marcas.
Superfície que não coincide com o conteúdo.

Vidro.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Zona morta gravitacional

A vida está aqui 
Me comendo viva 
Ou talvez esse seja o processo de cozimento 
Ainda.
Mesmo assim, sinto meus pés ferverem 
Pés bem firmes nesse chão de pedra quente 
Nesse calor de 50° 
Nessa vida irônica que me come viva todos os dias.

Essas coisas que acontecem não podem ser coincidência 
Tudo me leva ao afastamento 
Daquilo que eu só faço por obrigação 
Talvez meus pés não estejam completamente no chão.

Minha cabeça está pesada 
Meu corpo... Vazio 
Eu não ganho comida, eu sou a comida 
Tem dias que a vida suaviza e me oferece água 
Apenas pra eu continuar viva nesse processo de cozimento 
Apenas pra ela continuar me comendo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Long story, short words




I was hurt once 
So deeply that I can't even tell where it ends 
I am in a dark place since then
But I still got soul

I still got the most intense soul that I ever heard about 
You live in my soul since that terrible event 
Where you broke me in a million pieces 
I never became a star with all those pieces together 
But you are still the brightest star that ever lived in me 
You are here for so long
That I can't remember how it feels being alone.

You are the most beautiful crack in my heart 
My lost star 
And without your sparkle I would be in a complete darkness 
In this dark place.

Duas



Não sou barulhenta pra falar dos meus mais pesados sentimentos
Falo entrelinhas
Deixo pairar no ar sutilmente
Solto uma parte
Sempre falta liberar alguma
Deixo lá e saio correndo
Deixo lá e enquanto ninguém percebe
Vou vivendo.

Convivo com os meus mais pesados sentimentos
Sendo uma garota que não aparenta ter nenhum deles
Nada parecida com os meus mais profundos sentimentos de agonia...
Também sou essa que você vê (a do lado de fora)
Mas a do lado de dentro é tão espaçosa que às vezes me pego pensando como é capaz de existir apenas no lado de dentro.
Sou triste, pensativa, sinto saudade de coisas que nunca vivi, e sofro principalmente pelas que já vivi
Mas tento sempre manter o otimismo, por mais difícil que seja
E ajudar as pessoas sem querer nada em troca.
Essa é quem você conhece
Mas acho que nunca estará preparado para ver o outro lado.

Desculpe, meu amigo
Se um dia você encontrar qualquer resquício da garota de dentro.
Nunca foi minha intenção destruir suas ilusões 
Nunca foi minha intenção destruir sua feliz ignorância.
Me desculpe, meu amigo, se algum dia chegar a ler isso.
A garota de dentro acaba comigo
E ela vai acabar com você também.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Farol


Eu ouço a chuva lá fora 
E a neblina que é vista da minha janela 
Deixa apenas as luzes do farol lá no mar 
Existirem...
É madrugada
E aqui não existe nada.


O café esfriou há anos 
A vida que eu tinha se perdeu nas páginas 
Dos cadernos que eu não leio mais.
O tempo acabou,
agora eu bebo vinho por falta de amor.
Ouço o barulho da chuva nas telhas 
Enxergo o farol ao longe 
Como se essa luz pulsasse nas minhas veias.


Onde estarei daqui há alguns anos 
Numa quarta a noite, depois do trabalho?
Será que todos os meus sonhos estarão publicados 
Ou eu serei apenas alguém sentada no telhado 
Olhando o farol ser engolido pela neblina 
Enquanto a chuva cai 
Pingando o peso do tempo na minha agonia?


Talvez eu esteja ficando louca 
Mas o farol está sumindo 
Assim como o tempo que eu sempre achei que fosse infinito 
Ah, querido 
Se eu pudesse te explicar tudo o que se passa aqui dentro 
Você iria lá fora comigo 
De mãos dadas estaríamos na chuva 
Para que eu pudesse lavar toda a minha agonia 
Para que eu pudesse ser sol
E não apenas ventania na madrugada...


O tempo acabou 
Deixou apenas minha dor 
Hoje bebo vinho por falta de amor...
Talvez eu esteja ficando louca 
Mas o farol está sumindo 
Pouco a pouco o tempo se vai
Sumindo comigo...

                              
                                   Escrito em 16 de junho de 2015.

domingo, 4 de outubro de 2015

Eu sei



Eu sei.
O que você quer é ar.
O ar que eu respiro,
O ar que eu suspiro,
quando digo o seu nome. 
Você quer que eu grite a plenos pulmões 
Que você tem a minha alma
E sugar todo esse ar que sai desesperado do meu corpo, enviado por meu atormentado coração.
Você não quer a minha calma,
Você quer a minha respiração acelerada,
Desesperada pra me manter viva. 
Você quer todo o meu ar 
Porque quer ser a minha vida.

O que eu quero é ainda pior
Mais desesperado, mais doente, mais inconsciente e consciente.
Eu quero que você tenha todo o meu ar
Quero que você guarde a minha alma como se fosse seu bem mais precioso 
Quero que você sinta a minha respiração acelerada enquanto gritamos juntos 
E meu corpo está hipnotizado por você.
Nada pior do que simpatia pelo sequestrador 
E eu aprendi a amar você.

Agora vivo como se fosse morrer 
e gosto.
Jamais serei novamente um desses desastrosos seres humanos que pensam que viverão pra sempre, 
pois é dessa forma que não vivem nada.
Quero ter quase mortes todos os dias
Quero que você possua todo o meu ar 
Quero que você tenha a minha vida 
E eu quero a sua também.
Se nós dois queremos então, o que nos resta, meu amor
Senão amar? 
Pois nós dois somos refém e sequestrador 
Um do outro. 
Eu sei.

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