domingo, 26 de junho de 2016

Eu sou uma mulher gorda


Eu sou uma mulher gorda.
Sou uma mulher gorda com braços fortes que já carregaram um irmão bebê, e mãos pesadas que gostam de cozinhar pros amigos.
Sou uma mulher gorda de rosto quadrado, mas que se torna redondo toda vez que sorri. 
(e se tem uma coisa sobre a qual eu entendo, são bochechas)
Sou uma mulher gorda, e por bastante tempo tenho sido assim. 
Tenho minha beleza, tenho minha risada engraçada, tenho sobrenomes de diferentes lugares, tenho sangue misturado: Sou de lá, daqui, de todo lado.
Sou uma mulher gorda, e não nego.
Talvez seja algo que faz parte de mim, talvez seja apenas um detalhe que pode eventualmente sumir.
Mas por agora, eu sou assim.
Tenho cabelo escuro, sardas, olhos pequenos, uma falha na sobrancelha e em todas as partes humanas que me cabem. 
Fui criada por meus pais, pelos meus avós, fui criada também pela minha curiosidade de descobrir tantas coisas que ninguém me contava que existiam. Isso nunca me impediu de ir atrás.
Eu sou uma mulher gorda, que atualmente se considera mais independente do que idade propõe, mas ao mesmo tempo mais dependente do que gostaria. 
Tenho poucas pessoas, mas todas elas, de alguma maneira, fazem parte da família que reuni pela vida. E é pra elas que gosto de cozinhar. 
Eu amo muito, eu me estresso muito, exijo muito de mim mesma, eu me preocupo demais com os outros, eu sou sempre muito. 
Fui uma criança gorda que preferiu brincar de queimado, andar de bicicleta, brincar de pega, do que perder muito tempo com bonecas.
Também gostava de livros, e do batom vermelho da minha mãe.
Sou uma mulher gorda que sempre foi precoce, na maioria das coisas da vida.
Gorda, ansiosa e saudosista. Contradição? 
Em mim, cabem todos esses sentimentos que chamam de contradição. 
Tenho tentado melhorar certas coisas em mim, mas isso não significa que não possa falhar. Pois falho, e muito, e acho difícil que isso não aconteça mais um dia. Pois sou humana, e admito que sou falha. E é pra isso que estamos nesse mundo: Falhar, consertar, aprender. 
Sou uma mulher gorda com muitas histórias, que não vive sem música na janela do ônibus, sem filmes e seriados tarde da noite, sem livros num domingo à tarde.
Sou uma mulher gorda que não vive sem café, sou aquela mulher que sempre tem uma água fervendo no fogão.
E tem certas coisas que ainda não entendo, e não sei se conseguirei entender algum dia. 
Aos poucos, tenho conseguido aceitar melhor as coisas que não tenho poder pra mudar, mas este é um trabalho constante. 
E não, não tenho que esconder, nem fingir que sou gorda. 
Não importa que meu manequim seja 42 e não 50, pois isso não faz de mim menos gorda. 
Sou gorda porque gosto de comer. 
Talvez seja sempre assim, talvez não seja mais ano que vem. 
Quem é que sabe da vida? 

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Nervos

Hoje, particularmente 
Quando olho pra esse céu cinza de inverno 
Sinto-me anestesiada 
Minha música parou
Minha mente saiu do ar 
Não há nada aqui.

Portanto, mande-me uma mensagem 
Escutarei quando a Lua sair de câncer 
Quando eu finalmente conseguir voltar a pensar racionalmente 
Hoje, me anestesiei 
Estou na minha casa, não sairei por nada

Vai chover, ou já está, quem sabe. 
Minha música nunca mais tocou 
Essa vida já não é mais uma ciranda 
É apenas um monte de pedras rolando 
E eu estou correndo e implorando pra acordar 
Desse pesadelo que é viver com medo 
Do inesperado.

Eu costumava me fascinar 
Tinha orgasmos com a adrenalina 
Mas agora que sou adulta 
E desaprendi à seguir meus mais loucos desejos 
Desaprendi a rir sem medo 
Desaprendi a ser a garota que dançava no meio da rua. 
Agora que sou adulta 
Sei apenas pensar 
E quanto mais penso, mais quero me anestesiar 
Parece que todos os dias são essa loucura cinza

Não tenho medo do escuro total - pois não tenho medo de sentir 
Tenho medo do branco completo - pois tenho medo de desaprender completamente a sentir 
Tenho medo de perder meu tato 
Portanto hoje, particularmente 
Quando olho pra esse céu cinza de inverno 
Sinto-me anestesiada
Pois vi demais, demais...
E fui coagida a não sentir nada.