segunda-feira, 29 de julho de 2013

Amor e amor



O que era ela rodando naquela roda sem começo, fim ou inércia? O que era ela fazendo nada que não fosse encantar as pessoas? Todos pareciam tão atentos à ela, que mais pareciam um bando de atores, eles e ela, por tamanha sincronização, por tamanha perfeição.
Ela rodava, eles acompanhavam, ela sorria, eles iam ao delírio ao ver toda aquela jovialidade, toda aquela alegria. Ela iluminava o dia deles e eles sugavam um pouquinho da luz dela todos os dias, e assim obtinham sua dose diária de Vitamina D, mesmo que há tempos não tenham mais visto o Sol nascer.
Ela amava tudo aquilo, era o foco dela jogar todos num labirinto perdido, e assim o canto dela, o canto da sereia, ia controlando tudo, ela era uma louca por atenção, não sabia viver sozinha, não sabia desaparecer nesse mundo de imensidão. Ela e eles, eles e ela, naquele relacionamento platônico encenado num grande teatro, eles eram uma peça.

Mas havia ele.

Ele que havia notado que havia ela. Ele não era eles, ele era apenas ele. Ele, o único que não havia sido hipnotizado pelo canto da sereia, ele que observava de longe ela rodando todo mundo naquela roda sem começo, fim ou inércia. Bem, ele estava fora, e é desse jeito que podemos explicar porque ele era a única peça inerte. 
Mas como todos, ele também estava atento à ela, a olhava com pressa e desespero, como se a qualquer momento, ela pudesse desaparecer, como se a qualquer momento ela pudesse se transformar em nada de tanto rodar, como se ela pudesse se acabar, como se sua luz pudesse se aniquilar, e restasse pra ele, apenas uma foto na estante que o deixaria em eterno desespero. 
Ela rodava e todos acompanhavam, ela fazia todo mundo rodar junto, ela fazia aquele feitiço de todo dia, ela apresentava aquela peça teatral, onde ela era a personagem principal. Os outros eram meros figurantes. Eles. Mas e ele? O que era ele se não um outro protagonista esperando para entrar em cena e fazer par com a principal artista? Ela não era bonita, ela não era inteligente, ela não era encantadora. Ela era tudo e ele queria tudo, não se conformava com pouco, não se conformava em ter menos do que ela, ele a queria, e ele teria. 
Ela não havia percebido até o momento em que viu uma sombra distante, na parte de trás do palco, totalmente separada e inerte, o que ela não tolerava. Ela queria todo mundo acompanhando o rodar daquela roda que ela controlava, então por que ele não rodava junto com ela? Chegou perto, olhou nos olhos, pronta pra fazer sua mágica de apagar a memória, aquela mágica que faz com que ela seja a única lembrança de alguém, aquela mágica que ela faz com que se torne a única de todas as trajetórias, aquela mágica de sereia, ela gostava da cegueira alheia. 
Quando ela o olhou no olhos, algo que ela não esperava aconteceu: era ela parada naquela reta, era ela a aprisionada, não conseguia se mover porque ele não movia um músculo sequer, ele a queria ali com ele, só pra ele, queria transformá-la em sua estátua de contemplação, queria que ela o transformasse em seu único foco de afeição. 
E assim dançaram juntos, em sua roda particular, em perfeita sincronização, da qual ele não conseguia sair e ela também não, da qual ele não queria sair e ela também não, e eles queriam apenas continuar ali, naquele mundo secreto, como se pelo olhar compartilhassem uma verdade única, como se fosse um infinito particular, como se fosse a única coisa que pudesse importar. 
E eles olhavam pra ele e pra ela, que agora eram o centro do espetáculo, que rodavam a eles mesmos e a todos, rodavam e rodavam e jamais paravam. E não viam mais nada, pois quando o amor acontece, é uma dança em dupla, em que um roda pro outro, sem parar, em que um controla o outro sem sentir e sem se importar. Luz e sombra, sereia e tritão, dançarina e dançarino, estátua e observador, namorado e namorada, amor e amor.

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