terça-feira, 23 de abril de 2013

Capítulo 1


Ele havia reparado nas unhas. Ela tinha unhas curtas, fato raro na maior parte dos seres femininos atuais. Ele gostava daquilo, pois sabia que se uma garota não tinha tempo ou simplesmente não ligava para a aparência das unhas, significava que ela no mínimo, tinha coisas mais interessantes pra fazer, ou procurava fazer coisas mais interessantes.
Não que as unhas dela fossem feias.
Eram adoráveis, no estilo unhas cortadas e limpas de uma menininha. E era essa a aparência que ela tinha: de uma menininha. Porém, sua expressão passava a imagem de uma mulher com muitas questões em evidência.  Ela estava preocupada, pensativa, tensa, e ao mesmo tempo relaxada. Com os fones nos ouvidos, ela dublava as músicas que só ela escutava e de vez em quando soltava um sorriso como desse-se conta do quão ridícula estava sendo, ali, naquela situação de estúdio de dublagem imaginário. Mas ela não ligava de verdade. Achava graça de si mesma e desse modo ia, envolta numa bolha, naquele ônibus velho e apressado. Ela só estava interessada nela mesma, por isso não o notou olhando-a.
E ele também gostou muito disso nela.
Quem era ela? Apenas a garota que entra no ônibus todos os dias ao meio dia. Às vezes ela entra vestida com roupas de trabalho, em outras, com roupas casuais, em outras sorrindo, mas sempre entra maquiada, dando bom dia, e sempre faz cara de mal humorada toda vez que a mochila fica presa na roleta. Mas, pra onde ela ia? Ele sempre descia antes dela. Ele nunca via para onde ela ia, só sabia de onde ela vinha.
Ele não estava interessado na sua origem, estava interessado apenas na sua perspectiva. Ele queria o que ela queria, seja lá o que fosse. E mesmo não sabendo, ele tinha certeza de que queria o mesmo que ela.
E prometeu pra si mesmo que um dia perderia o ponto e desceria com ela e descobriria pra onde ela ia. Talvez até começasse uma conversa, talvez ficasse pra trás, pois sabia que ela andava com pressa. Mas qual seria esse dia? Ele chegaria? Ele era jovem e descansado, e realmente achava que tinha muito tempo. Mas a NASA sabia que não. Todos sabiam que não. Até mesmo a garota das unhas sabia que ninguém tinha muito tempo, e por esse motivo andava correndo.
Ela tentava andar no ritmo louco da vida, tentava desesperadamente não deixar nenhuma oportunidade passar despercebida, mas era uma loucura andar naquele tumulto, com pressa e concentrada, e ainda sim, perceber o que havia ao redor. Mas ela conseguia. E era ele quem ela sempre via, ali, naquele ônibus de meio dia. Onde o sol irradiava forte, o vento parava pro almoço e ela pedia secretamente para quem estivesse ouvindo, que não chegasse atrasada, e pedia secretamente para que aquele garoto da cara séria falasse com ela. Ela era independente, mas no fundo, era como qualquer outra criatura feminina, que queria um daqueles amores mais fortes que a morte, queria ter essa sorte.
Mas a sorte só existe se um dos lados insiste.
Eles não tinham todo o tempo do mundo. Eles tinham apenas aquele tempo, aquele momento, aquela oportunidade, naquela idade.
E aquilo não tinha mais nenhuma relação com oportunidades, pois todos os dias, ao sol de meio dia, eles estavam naquele ônibus, durante mais uma tentativa da vida de deixar a sorte ser cumprida. Poderia ela ser permitida agir e fazer a sua magia? Eles dariam a ela essa oportunidade? Eles dariam a eles mesmos a oportunidade de felicidade? Ou seriam apenas mil e quinhentos dias de pôr-do-sol, sem nem ter feito o menor dos contatos, quando ele estava no céu? 
Corriam o risco do sol não nascer nunca mais. E então, acabaria-se o sol de meio dia, e sobrariam apenas noites todos os dias, uma Lua linda que poderia ser sua madrinha, a menos que eles deixassem morrer mais uma vez... E sem Sol e sem Lua, não existe oportunidade, não existe tentativa de felicidade, não existe sorte, não existe amor mais forte que a morte. Não existe nada, apenas inutilidade, apenas desperdício, apenas vazio. 
É preciso tentar. É preciso agarrar o incerto de vez em quando, e deixar a oportunidade entrar.

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