quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Sem nenhuma razão



Num dia de chuva qualquer eu ando pela rua devagar 
Não presto atenção em nada que não sejam as poças d'água
Pulo algumas, mas caio em outras 
Até que por fim passo a me guiar pelos passos de outra  pessoa 
Alguém que anda na minha frente e desvia das poças sabiamente 
Alguém mais concentrado em fazer cada coisa bem feita e lentamente.

Passo por um mendigo em frente a uma farmácia
Sinto pena, mas como a maioria das pessoas, não paro
Não posso perder o guia na minha frente.
Cada um só se preocupa com suas próprias poças 
A fome dos outros não existe no estômago de quem já comeu alguma coisa.

Passo por outro mendigo 
Mas este está comendo 
Come como se fossem tirar a comida dele a qualquer momento 
Como se não existisse mais nada além daquilo
Como se não existisse chuva 
Ou como se ele tivesse uma casa ou um abrigo. 
Come como se não tivesse mais nada com o que se preocupar se não aquele frango seco 
Acompanhado de montanhas de feijão e arroz e alguns legumes feios 
A felicidade se resume a uma comida no alumínio 
No meio da chuva numa quarta à noite 
Com o mundo inteiro desviando de poças 
Com gotas espirradas e folhas espalhadas.

Eu continuo andando pra casa
Sinto algumas gotas em meus tornozelos nos locais em que a calça jeans não cobre 
Meu All Star inunda lentamente 
E eu sigo os passos do mesmo estranho na mesma calçada.
Ouço John Mayer cantando You're no one til someone lets you down 
Depois de ter vindo no ônibus ouvindo Wheel
Depois de ter tido tantos outros dias como esse 
No imundo e bonito Rio.

Mas estranhamente só hoje escrevi esse poema na minha mente 
Andando pela chuva e avistando os mesmos mendigos 
Vendo coisas que sempre vejo
Pensando no que farei amanhã 
Pensando no que fiz hoje
Cantando as mesmas músicas mentalmente 
Nessa rotina capaz de enlouquecer muita gente.
Os passos guias de repente não existem mais 
Pois ele continuou reto, e eu precisei virar pra atravessar 
E eu chego em casa e começo a pensar 
Que só hoje consegui escrever um poema mentalmente, 
sem nenhuma razão aparente.



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