Ela estava falando
no telefone no escuro. Não porque estava
triste ou chorando, mas sim porque não estava com vontade de ver: ouvir era o suficiente. Deitada na cama, com as pernas apoiadas na parede,
enrolando o fio do telefone com o dedo e rindo o quanto podia rir. Ria porque é
melhor rir do que chorar, ria porque rir não possibilita pensar
nos problemas, ria porque estava ouvindo e dizendo coisas engraçadas e tudo isso só pra rir um pouco mais. O quanto de besteiras duas garotas no
telefone podem ser capazes de falar? Muita, acredite.
Ela estava falando
no telefone enquanto andava apressada pela rua. Não porque queria
ficar sem fôlego, mas sim porque
não tinha outra hora pra falar. Pulando algumas poças, correndo atrasada pra alguma coisa e ouvindo lições daquela típica pessoa que pensa que ser jovem é sinônimo de ignorância total. Isso a
irritava profundamente, mas aguentava firme, porque essa mesma típica pessoa era alguém muito ligada a
ela. Ignorava algumas coisas, mas levava em conta a maioria. E até concordava com algumas.
Ela estava na sala
de espera, preenchendo uma ficha pro dentista, enquanto falava no telefone.
Estava dentro de uma conversa sem sucesso, porque tinha que prestar atenção no que estava escrevendo e ao mesmo tempo, raciocinar o que a pessoa
estava dizendo. Eram notícias bombásticas e ela não conseguia mais se
concentrar na ficha, só sabia ficar segurando o celular junto ao ouvido, com os olhos
arregalados e abrindo a boca cada vez mais. As pessoas da sala de espera já estavam olhando pra ela com cara de espanto ou com aquela cara que
as pessoas fazem quando veem uma coisa esquisita. Mas só ela sabia que o que
estava ouvindo era grande o suficiente para atrair muitos rostos com caras
estranhas.
Ela estava no
telefone enquanto era obrigada a estar numa igreja chata e sem graça, pela qual ela nunca se sentiu atraída e que também não se sentiu ligada
depois de conhecer. Não acreditava muito
nessa história de que todo mundo tem que aceitar o que acontece e se
conformar, ela estava mais para aquele tipo de pessoa que corre atrás do que
quer e quando tem uma decepção culpa a si mesma
por sua ação mal feita e não a um Deus ocupado e é claro, tenta mudar essa decepção ou pelo menos criar uma nova realização.
Ela falava aos sussurros com um velho amigo que estava fazendo-a rir deveras, e
ela não sabia mais o que fazer pra não dar uma gargalhada
alta: estava prestes a ser descoberta como uma pecadora que ri alto dentro da
igreja. Mas ela queria mais era ser expulsa mesmo, tinha mais o que fazer. Rir,
por exemplo.
Ela estava no
telefone com aquele cara que a fazia suspirar, e estava com o maxilar doendo
por estar tanto tempo com os lábios fixados num sorriso. E a cada promessa, a
cada declaração, até parecia que ia haver uma explosão, enquanto falava
no telefone naquela escuridão do quarto,
encostada na parede atrás da porta. E se houvesse mesmo uma explosão, ela não iria se importar,
porque já tinha tudo o que queria. Como todos querem, ela também quer. Todos querem morrer felizes e ela também.
Tantas conversas
pelo telefone, às vezes apenas comunicados, mas todos os momentos pelo telefone
tem sua importância, porque todos
os momentos de qualquer coisa significam algo. Os ao vivo são as mais Vips e especiais, porque é todo um conjunto de visão, audição e até mesmo tato. Essa é a minha preferida também. Mas qualquer tipo
de conversa, por qualquer meio de comunicação, está valendo. Conversa é conversa. E nada
conseguimos sem uma boa conversa, mesmo que seja uma rápida, pelo telefone mesmo e às pressas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário