quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sem início, sem fim



Hoje, enquanto terminava de ler "Quem é você, Alasca?", me deparei com uma coceira insuportável nas mãos, como costuma acontecer quando leio uma coisa que agita algo lá no fundo da minha alma. Mas estava no ônibus, então tive que esperar chegar em casa, tive que esperar meu lerdo computador que já está em seus (quase) últimos suspiros dar sinal de vida, tive que esperar o modem da internet dar resposta, porque minha avó teima em tirar tudo da tomada no momento em que saio de casa pra ir trabalhar, tive que esperar. 
E agora que estou aqui, finalmente sentada de frente pra ele, com as mãos ainda coçando como antes, é difícil de colocar em palavras todas as mil coisas que rodam a minha cabeça de uma vez só. Mas acho que estou chegando lá. 
O que é "O grande talvez" pra você? Ele pode ser muitas coisas. Pode ser a sua verdade, pode ser a esperança de alguém, pode ser a minha mentira. Ele sempre pode ser alguma coisa, e nós sempre podemos fazer alguma coisa a qualquer instante, que mude o significado do Grande Talvez para algo totalmente diferente em relação ao que ele era há cinco minutos atrás. É necessário um momento pra definir o resto da sua vida, é necessário um momento pra mudar toda a sua vida a qualquer momento, é necessário você.E mesmo que tudo caia no limbo do esquecimento inevitável, ainda assim, não poderá ser desfeito, mesmo que desmorone e apodreça. Sempre estará lá, de alguma forma, sendo representado por alguma parte que não pode ser apagada. Assim como disse John Green no livro, não devemos perder a esperança, pois nunca somos feridos o suficiente para não continuarmos invencíveis. Tudo passa, todos nós esquecemos, todos nós seguimos em frente e todos nós achamos um jeito. Os adolescentes se acham invencíveis porque realmente são, e os adultos se esquecem disso quando envelhecem, pois ficam com medo de perder e fracassar. Medo. O que você faria se não tivesse medo? Alguém uma vez me disse que viu essa frase pichada num muro qualquer, na beira de uma estrada. Só pela complexidade que essa pergunta trás, só por isso, já deveria ser considerada patrimônio histórico, arte da mais pura qualidade, esse muro deveria ir à leilão e ser vendido por um milhão de alguma moeda que fosse do câmbio mais alto do mundo. 
Existem perguntas que mudam toda uma mente, existem respostas que acabam com toda uma vida. Mas depois do fim, sempre existe o início, podemos sempre voltar, ou simplesmente não voltar nunca mais. Somos invencíveis, nem a morte acaba com as coisas que fizemos, não acaba com os sentimentos que causamos nos outros, não acaba com as nossas ações e não acaba com nada que foi resultado a partir delas. Nada acaba, nunca. Tudo se renova, ou se mantém exatamente igual. Ossos enterrados são apenas ossos enterrados. Palavras, sentimentos, momentos, são todas as coisas que formam o infinito. Quando morremos não levamos nada, pelo contrário, só deixamos pra trás. Lembranças, fatos, palavras, fotos e sentimentos. E é claro, carne, e ossos, e vermes na terra, que um dia se transformarão em cinzas, ou apenas adubo. Nós não temos fim.

"Antes de vir para cá, pensei por um bom tempo que para sair do labirinto fosse necessário fingir que ele não existia, construir um mundo pequeno, porém autossuficiente num rincão longínquo desse infinito labirinto e fingir que eu não estava perdido, mas em casa. Só que isso tinha me conduzido a uma vida solitária, tendo por companhia unicamente as últimas palavras dos já mortos. Então vim para cá em busca de um Grande Talvez, de amigos verdadeiros e de uma vida maior do que a minha vidinha. Mas estraguei tudo, o Coronel estragou tudo, o Takumi estragou tudo, e ela escorreu por entre nossos dedos. E não adianta embelezar a verdade: Ela merecia amigos melhores.
Depois que estragou tudo, tantos anos atrás, apenas uma garotinha imobilizada pelo terror, Alasca desmoronou em seu próprio enigma. Eu poderia ter tomado o mesmo rumo, mas sabia onde aquilo ia dar. Então continuo acreditando num Grande Talvez e sou capaz de acreditar nele apesar de tê-la perdido.
Pois, sim, vou esquecê-la. Aquilo que é construído desmorona imperceptivelmente devagar. Vou esquecê-la, mas ela perdoará meu esquecimento, assim como eu a perdoo por ter se esquecido de mim, do Coronel e de todo o mundo, lembrando apenas de si mesma e de sua mãe naqueles últimos minutos que passou como pessoa. Hoje sei que ela me perdoa por ter sido burro e medroso, por ter tomado uma atitude burra e medrosa. Sei que ela me perdoa, assim como sua mãe também a perdoa. Eis porque sei disso: 
Pesei, no começo, que ela fosse apenas um cadáver. Apenas escuridão. Apenas um corpo a ser comido pelos vermes. Pensei muito nela assim, como a refeição de algum bicho. O que ela fora - olhos verdes, um meio sorriso, as curvas suaves da perna - em breve seria um nada, apenas ossos que eu não tinha visto.Pensei no lento processo de tornar-se esqueleto, depois fóssil, depois carvão, e, dali a milhares de anos ser extraído pelas pessoas do futuro, que aqueceriam suas casas com ela e a transformariam em fumaça, ondulando numa chaminé, cobrindo a atmosfera. Às vezes, ainda acho que a "outra vida" é algo que inventamos para apaziguar a dor da perda, para tornar nosso tempo no labirinto suportável. Talvez ela fosse apenas matéria, e a matéria se recicla.
Mas, para ser sincero, não acredito que ela fosse só matéria. O resto dela também precisa ser reciclado. Hoje, acredito que somos mais do que a soma das nossas partes. Se pegássemos seu código genético, suas experiências de vida, seus relacionamentos com outras pessoas e os enxertássemos num corpo do mesmo tamanho e com as mesmas proporções, ainda assim não teríamos outra Alasca. Existe algo mais. Uma parte que é a maior do que a soma das suas partes cognoscíveis. E essa parte tem de ir para algum lugar, pois não pode ser destruída. 
Embora ninguém possa me acusar de ser um grande estudioso das ciências exatas, se tem uma coisa que eu aprendi nas aulas de Física é que a energia não se cria nem se destrói. E, se Alasca realmente tirou sua própria vida, esse é o tipo de esperança que eu gostaria de lhe ter dado. Esquecer e abandonar a mãe, os amigos, as próprias expectativas - eram coisas horríveis, mas ela não precisava ter se metido em si mesma e se autodestruído. Somos capazes de sobreviver a essas coisas horríveis, pois somos tão indestrutíveis quanto pensamos ser. Quando os adultos dizem: "Os adolescentes se acham invencíveis", com aquele sorriso malicioso e idiota estampado na cara, eles não sabem o quanto estão certos. Não devemos perder a esperança, pois jamais seremos irremediavelmente feridos. Pensamos que somos invencíveis porque realmente somos. Não nascemos, nem morremos. Como toda energia, nós simplesmente mudamos de forma, de tamanho e de manifestação. Os adultos se esquecem disso quando envelhecem. Ficam com medo de perder e de fracassar. Mas essa parte, que é maior do que a soma das partes não tem começo e não tem fim, e, portanto, não pode falhar.
Eu sei que ela me perdoa, assim como eu a perdoo. As últimas palavras de Thomas Edson foram: "O outro lado é muito bonito." Eu não sei onde fica o outro lado, mas acredito que seja em algum lugar e espero que seja bonito."
    

Nenhum comentário:

Postar um comentário