Num dia de chuva qualquer eu ando pela rua devagar
Não presto atenção em nada que não sejam as poças d'água
Pulo algumas, mas caio em outras
Até que por fim passo a me guiar pelos passos de outra pessoa
Alguém que anda na minha frente e desvia das poças sabiamente
Alguém mais concentrado em fazer cada coisa bem feita e lentamente.
Passo por um mendigo em frente a uma farmácia
Sinto pena, mas como a maioria das pessoas, não paro
Não posso perder o guia na minha frente.
Cada um só se preocupa com suas próprias poças
A fome dos outros não existe no estômago de quem já comeu alguma coisa.
Passo por outro mendigo
Mas este está comendo
Come como se fossem tirar a comida dele a qualquer momento
Como se não existisse mais nada além daquilo
Como se não existisse chuva
Ou como se ele tivesse uma casa ou um abrigo.
Come como se não tivesse mais nada com o que se preocupar se não aquele frango seco
Acompanhado de montanhas de feijão e arroz e alguns legumes feios
A felicidade se resume a uma comida no alumínio
No meio da chuva numa quarta à noite
Com o mundo inteiro desviando de poças
Com gotas espirradas e folhas espalhadas.
Eu continuo andando pra casa
Sinto algumas gotas em meus tornozelos nos locais em que a calça jeans não cobre
Meu All Star inunda lentamente
E eu sigo os passos do mesmo estranho na mesma calçada.
Ouço John Mayer cantando You're no one til someone lets you down
Depois de ter vindo no ônibus ouvindo Wheel
Depois de ter tido tantos outros dias como esse
No imundo e bonito Rio.
Mas estranhamente só hoje escrevi esse poema na minha mente
Andando pela chuva e avistando os mesmos mendigos
Vendo coisas que sempre vejo
Pensando no que farei amanhã
Pensando no que fiz hoje
Cantando as mesmas músicas mentalmente
Nessa rotina capaz de enlouquecer muita gente.
Os passos guias de repente não existem mais
Pois ele continuou reto, e eu precisei virar pra atravessar
E eu chego em casa e começo a pensar
Que só hoje consegui escrever um poema mentalmente,
sem nenhuma razão aparente.
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