Era uma vez, duas pessoas estranhas uma para a outra, que um dia se
encontraram e se conheceram, e então não se viram mais como estranhos. Passaram algum
tempo juntos algumas vezes, e, algumas semanas depois concluíram estar
apaixonados.
Mais algumas semanas se passaram e a empolgação do início
se misturou com a familiaridade que ambos passaram a sentir. O convívio trouxe a
autenticidade de cada um, sem aquela coisa de ocultar os defeitos do início.
Mas essa autenticidade não revelou apenas defeitinhos bobos, revelou também
coisas irritantes e talvez até inadmissíveis um para o outro. Mas
existia ali o amor para ofuscar um pouco esses defeitos, então eles continuaram
juntos.
Meses depois resolveram se casar, porque não viram mais
motivos para não estarem casados. Casaram-se, e então aquela empolgação do início
retornou. Ficou ali por um tempo; talvez por um ano ou um pouco mais, e então
voltou o maldito convívio revelador, que deixou tudo duas vezes mais tenso do que
deixou quando veio no namoro.
Começaram as brigas terríveis. Escândalos, gritarias, ódio
e promessas de separação. Uma fuga de um deles por algumas horas, o quase
afogamento em lágrimas do outro que fica em casa. No dia seguinte, fingiam que
nada havia acontecido, perdoavam a si mesmos secretamente, mas jamais perdoavam um ao
outro. Porém, é mais fácil sustentar um relacionamento prejudicial, do que
tomar uma atitude e recomeçar do zero. E o que é pior, recomeçar do zero
sozinho.
Com o tempo, as conversas passaram a ser superficiais e
vazias e o esforço para fazer dar certo, deixou de ser sincero. Beijos não
existiam mais e sexo só por obrigação. E aí então, uma grande peça de teatro se
ergueu do nada, e como se para não desapontar a platéia, as brigas escandalosas
acabaram e eles aprenderam a brigar com classe. Jogando pequenas doses de veneno
sarcástico um no outro; colocando sutilmente o pé na frente um do outro e
rezando que a queda seja o oposto de sutil. Mas isso começou a diminuir cada vez
mais, até que sobrou apenas a indiferença. E é nesse ponto que eles voltaram a ser
aquelas pessoas estranhas que eram um para o outro, antes de se
conhecerem. Mas continuam casados. Por
quê?
Porque as pessoas têm medo de sair de seus
relacionamentos mesmo eles não sendo saudáveis? De que vale não ter a solidão
de ficar sozinho, mas ter a maior solidão do mundo dentro de um relacionamento?
Se não deu certo, porque ficar deitado em cacos de vidro?
Eu não tenho medo de morrer, mas tenho medo de casar. Não
me leve à mal, reconheço ótimas coisas num casamento e acho um gesto
lindíssimo, e deve ser muito bom quando realmente dá certo, mas o que me
apavora é a margem de erro que parece estar cada dia maior. A convivência de
seres humanos é algo extremamente difícil, porque somos todos muito complexos e
às vezes difíceis demais. Deve ser terrível se separar, mas mais terrível ainda
deve ser sustentar um relacionamento por motivos entre os quais o amor não está
mais incluído.
Se eu me casar um dia, espero sinceramente que dê certo,
mas se não der, espero que eu tenha coragem suficiente para recomeçar,
simplesmente por auto-preservação e respeito a mim mesma, mas principalmente
por não perder a esperança de ser feliz no amor.
A prática leva à
perfeição, mas eu não quero ser perfeita, quero apenas ser boa o suficiente
para fazer um relacionamento dar certo. Quantas vezes forem necessárias, porque
a minha felicidade depende de mim.